Aprender com o passado: ações governamentais da presidência do Grande do Sul sobre a Influenza Hespanhola de 1918

 

Fagner dos Santos[1]

            Pandemias são eventos regulares ao longo da história. O exemplo mais lembrado é a peste negra, ocorrida na Europa na idade média, porém tivemos outro surto de grandes proporções há aproximadamente cem anos: a gripe espanhola. Surgida provavelmente nos Estados Unidos, essa doença se espalhou no mundo através dos ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial que retornavam ao final do conflito. Ficou famosa por vitimar o rei da Espanha (daí o epíteto), mas também matou o presidente do Brasil Rodrigues Alves, que havia sido reeleito à presidência para o mandato que se iniciava em 1918. Farei neste espaço uma série de pequenos artigos demonstrando como essa doença foi percebida no Rio Grande do Sul: as atitudes do governo, o tratamento da imprensa, o tratamento historiográfico e um ensaio final, sobre como a história pode auxiliar no debate das políticas públicas em momentos de calamidade. Este primeiro texto avaliará, portanto, a tomada de decisões pela ótica oficial.

O primeiro registro da pandemia apareceu no jornal A Federação de 25/09/1918. Quase um mês depois chegava ao Rio Grande do Sul pelo porto de Rio Grande. O presidente do Estado nesse momento era Borges de Medeiros[2]. O relatório do ano de 1918 notificava em torno de 4000 vítimas fatais da doença, tendo como pico o mês de novembro (p.13). A estação ferroviária de Marcelino Ramos também foi foco de entrada do vírus. A velocidade de propagação foi o maior problema encontrado, segundo o governante, pois metade da população da Capital foi atingida em um praticamente um mês. (BORGES DE MEDEIROS, 1919, p.13).

Foram adotadas como medidas de mitigação do vírus: a assistência médica domiciliar, abertura de hospitais de campanha, distribuição de remédios e alimentos gratuitamente em quarteirões planejados e serviços de desinfecção e sepultamento (BORGES DE MEDEIROS, 1919, p.13). Ainda segundo o documento, o volume de óbitos de Porto Alegre foi cerca de sete vezes maior do que os anos anteriores, tendo a semana de maior mortalidade apresentado 442 vítimas. Houve um aumento de 11 vezes no número de operações de desinfecção da Diretoria de Higiene em comparação ao ano anterior (de 135 para 1591), sendo 60% delas registradas como atendimento à Gripe Espanhola (BORGES DE MEDEIROS, 1919, p.14). O laboratório central do Rio Grande do Sul também foi utilizado para redução dos efeitos daquela pandemia, aviando uma grande quantidade de medicamentos sem custos para os municípios afetados.

No relatório do ano seguinte, percebe-se a subnotificação: as mortes ocasionadas por motivos ignorados, mal definidos e moléstias gerais praticamente caiu pela metade. A situação da capital foi ainda mais controversa. Não houve registro de mortes por gripe espanhola em 1919. O número informado para o total de mortes no município seria, portanto, de mortes gerais – o governo informou uma diminuição de 831 casos para o ano anterior (considerando 4248 mortes em 1918). (BORGES DE MEDEIROS, 1920, pp.44-45).

Referências:

BORGES DE MEDEIROS, A.A. Mensagem enviada à assembleia dos representantes do Rio Grande do Sul pelo presidente do Estado. 20/09/1919

BORGES DE MEDEIROS, A.A. Mensagem enviada à assembleia dos representantes do Rio Grande do Sul pelo presidente do Estado. 20/09/1920

Causa Mortis

1918

1919

Variação

Ignoradas/Mal definidas

10111

6449

-36%

Moléstias gerais

8745

4702

-46%

Espanhola

~4000

636

-84%

Total:

22856

11787

-48%

 

 

 

 

Porto Alegre - Total

5457

3417

-37%

Porto Alegre - Espanhola

1209

0

 

 

 

 

 

Tabela 1: Causas Mortis por ano (compilado de BORGES DE MEDEIROS, 1919 e 1920)

 



[1] Doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor voluntário na UERGS, unidade de Sananduva.

[2] De fato, Borges de Medeiros, do Partido Republicano Riograndense, governou o Rio Grande do Sul por 25 anos. Depois de um primeiro período de dez anos (com uma reeleição) entre 1898 até 1908, voltou a ocupar oficialmente o posto por mais quinze anos, de 1913 até 1928 (com duas reeleições).

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