A REFERENCIAÇÃO NA SIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM

A REFERENCIAÇÃO NA SIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM
Texto publicado no Jornal Novo Noroeste em 6 de Maio de 2016


A referenciação pode ser considerada, essencialmente, como um processo de atenção e de interação que acontece tanto na linguagem oral, escrita quanto na linguagem multimodal – que contempla além das palavras a imagem. Assim, dependendo do modo como os participantes de uma situação comunicativa ajustam suas ações, conferem sentidos diferentes a cada evento de fala ou escrita.

Historicamente, as discussões em relação à referenciação têm recebido uma nova abordagem em relação ao conceito de referência que predominava até então, de que existiria uma correspondência entre as palavras e as coisas e, dentro dessa concepção, 'referir-se a' significa operar por meios linguísticos, uma representação extensional de referentes do mundo. Uma nova perspectiva, fundamentada na concepção de que a língua é heterogênea, histórica, variável e socialmente construída vê a referência como resultado de uma operação colaborativa dos sujeitos da interação, que constroem os referentes no e pelo discurso.

Na primeira tendência está presente uma visão mais tradicional da linguagem, que permeia longa tradição filosófica e lógica. A partir desta visão, admite-se uma relação clara entre linguagem e mundo, considerando o referente como objeto do mundo, cujo foco está para o produto e não para o processo. Já a segunda visão tem origem nas reflexões voltadas às ciências humanas e sociais, que procuram contemplar a língua em uso, analisando os dados empíricos coletados em terrenos autênticos.

Ressalta-se que as expressões referenciais não preexistem ao discurso, pois nenhum falante usaria uma expressão nominal sem que antes houvesse uma menção prévia ao referente que ela nomeia. Essas categorias emergem e se elaboram progressivamente na dinâmica discursiva e aliam a referenciação a processos interacionais.

Os referentes são, portanto, entidades construídas conjuntamente na interação, em nossas práticas de linguagem, que garantem a coerência do texto. Fazemos referência a algo quando os reportamos a pessoas, animais, objetos, sentimentos, ideias, emoções, qualquer coisa, enfim, que se torne essência, que

se substantive quando falamos ou quando escrevemos. Por seu caráter substantivo, os referentes normalmente são nomeados por sintagmas nominais (a luta, a violência, o ressentimento, as pequenas vitórias, ela, esta dúvida, etc.) ou sintagmas adverbiais (hoje, aqui, assim, dentre outras), também chamados de expressões referenciais. Esse tema pode ser aprofundado com a leitura da obra “Referenciação: sobre coisas ditas e não ditas”, da Mônica Magalhaes Cavalcante.

Se analisarmos o título de uma notícia publicada na Globo News, no dia 22.04.2016: “Alimentos saudáveis aumentam expectativa de vida, comprovam pesquisas”. Vemos emergir desse texto três referentes: alimentos saudáveis, expectativa de vida e pesquisas. Essas expressões referenciais são compreendidas ou representadas cognitivamente se os interlocutores souberem o significado das mesmas, no entanto a representação destes referentes nunca é a mesma em qualquer situação efetiva de comunicação. Além disso, para que haja uma progressão textual, tais referentes são retomados ao longo da notícia por expressões como: boa dieta, melhoras na alimentação, o quanto as pessoas vão viver mais, pesquisas realizadas nos EUA, dentre outras.

Nessa perspectiva, os processos de remissão e retomada da referentes permitem a progressão textual. Esta progressão envolve relação entre a atividade linguística, a cognitiva e a sociocultural. Assim, quanto maior o contato que tivermos com a leitura de textos diversos, bem como estivermos abertos à leitura do mundo, maior capacidade teremos de lidar com os processos de referenciação na escrita, produzindo textos coerentes e também tornando-nos leitores cada vez mais proficientes.

sippert.luciane@gmail.com
Imagens de tema por luoman. Tecnologia do Blogger.