[ARTIGO DE OPINIÃO] A pandemia e as medidas restritivas


A PANDEMIA E AS MEDIDAS RESTRITIVAS [1]


                                                                                                                           Paulo Vargas Groff[2]
                                                                                                                                          (27/05/2020)

[1] Artigo de opinião escrito dentro do projeto de extensão da Uergs: "Frederico Westphalen sobre a pandemia de Covid-19".
[2] Professor Doutor na Uergs na unidade em Frederico Westphalen.


Temos visto posições controversas a cerca da competência, se seria da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, para tomar decisões referentes a medidas restritivas de circulação de pessoas durante a pandemia causada pelo coronavirus.  Essas restrições giram em torno de medidas relacionadas a quarentena, isolamento, distanciamento social e lockdown, bem como em relação a autorização para o funcionamento de atividades consideradas essenciais, que podem continuar atuando, com certas precauções de higiene, apesar das restrições referidas.

Temos então a quarentena, que é uma medida de separação social das pessoas de risco para o contágio ou com suspeita de contaminação. O isolamento, que separa do convívio social as pessoas doentes ou contaminadas. O distanciamento social, que é uma medida mais ampla, e busca diminuir a interação entre as pessoas e as aglomerações, e assim reduzir a velocidade da transmissão do vírus. Esta medida pode ser ampliada ou seletiva, sendo que a primeira envolve a comunidade como um todo, e a segunda se destina a grupos de maior risco. Por seu turno o lockdown é uma medida de maior restrição de circulação de pessoas, um bloqueio sanitário total que mantém apenas as atividades consideradas essenciais e a circulação das pessoas em geral apenas para atender as suas necessidades básicas, como para compras de alimentos, medicamentos ou para emergência. Há, portanto, uma graduação na adoção dessas medidas, sendo o lockdown a mais restritiva. Assim, temos observado a aplicação dessas medidas em diversos países afetados pela pandemia, desde o início do ano, com a adoção de uma ou outra medida, de acordo com as orientações científicas e as necessidades impostas pelo avanço da doença.

No Brasil temos visto a adoção da quarentena de modo voluntário pelas pessoas, por pertencerem a determinados grupos considerados de risco ou por pessoas que o fazem para melhor se protegerem, e ainda por orientação médica. O isolamento é de pessoas infectadas tem ocorrido em residências ou ambientes hospitalares, dependendo da gravidade. Já as medidas relacionadas ao distanciamento social e ao lockdown têm sido determinadas por governos estaduais, distrital ou municipais, geralmente através de Decretos de Governadores ou de Prefeitos. Por fim, a União tem buscado definir as atividades consideradas essenciais, para que possam continuar funcionando mesmo diante das medidas restritivas. Neste sentido foi editado pelo Presidente da República o Decreto nº 10.282, de 20/3/20, que tem sido constantemente alterado, para incluir novas atividades na lista das atividades consideradas essenciais. Algumas dessas atividades têm gerado polêmicas a respeito da sua qualificação como atividade essencial. Em função disto, estes decretos nem sempre são seguidos, tanto por Governadores como por Prefeitos, que muitas vezes recusam a sua aplicação, elaborando as suas próprias normas estaduais, distrital ou municipais.

O fato é que o Estado brasileiro é uma Federação em que União, Estados, Distrito Federal e Municípios são autônomos dentro das suas competências, recebidas diretamente da Constituição Federal, não existindo uma hierarquia entre eles. Assim, é atribuída como sendo competência comum (conjunta) da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a atuação no “cuidado da saúde” (art. 23, II, CF). Além disto, estes entes federativos também podem legislar sobre saúde (arts. 24, XII; 30, I, II e VII; e 32, §1º, CF). Do mesmo modo os artigos 196, 197 e 198, ao tratarem especificamente da saúde, deixam clara a responsabilidade dos quatro entes federativos na garantia do direito a saúde para todos. Mais recentemente a Lei 13.979, de 06/2/20, conhecida como “Lei do Coronavirus”, atribuiu também competências às autoridades das diversas esferas governamentais, para o enfrentamento da emergência de saúde pública. Além disto, o STF - Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, se manifestou recentemente sobre o tema (ADPF 672, de 8/4/20), reconhecendo e assegurando o exercício de competências aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para adotar medidas restritivas durante a pandemia, mesmo diante da superveniência de atos federais em sentido contrário.

Além da atuação dos governos, também o Poder Judiciário, provocado geralmente pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, tem tomado decisões, diante de situações concretas, a respeito da necessidade de maior ou menor restrição, funcionamento ou não do comércio e de outras atividades. Nessas decisões são avaliadas se as medidas restritivas adotadas ou não pelos governos municipais ou estaduais são as mais adequadas, levando-se em conta a propagação do vírus em cada região ou localidade. A atuação dessas instituições encontra amparo na Constituição Federal, quando trata das suas competências.

Diante dessas divergências, e muitas vezes da falta de clareza quanto aos limites da competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para tratar das restrições referentes à circulação de pessoas, o que vem se assentando é que todos os entes federativos podem tomar decisões, assim como o Poder Judiciário. E esta atuação se fundamenta na Constituição Federal, para a defesa da vida, da saúde e da dignidade da pessoa humana. E nesta estrutura federativa, com certeza o Município está mais próximo da vida diária das pessoas e com maior capacidade de diagnosticar o avanço da doença, num segundo plano o Estado, e num terceiro plano a União. E neste sentido cabe primeiro ao Município tomar as medidas restritivas, depois ao Estado e posteriormente a União. E estas atuações governamentais se complementam com as decisões tomadas pelo Poder Judiciário, para verificar a existência de inércia ou de excessos nas ações governamentais.

Evidentemente que o desejável, e o que prevê a Constituição Federal, seria uma ação coordenada de todos os governos federal, estaduais, distrital e municipais, bem como a integração com as instituições, as organizações e a sociedade como um todo, com fundamento em estudos científicos, para buscar a melhor forma de enfrentar a pandemia. Esta que é uma situação completamente nova para todos, e que requer medidas emergenciais e excepcionais, sob pena de continuar a haver perdas humanas irreparáveis, em maior ou menor número, a depender das ações que forem implementadas. Mas infelizmente até o presente momento não tem ocorrido a unidade necessária, principalmente pela carência de uma liderança nacional no enfrentamento da pandemia.


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