[ARTIGO DE OPINIÃO] A pandemia e as medidas restritivas
Temos
visto posições controversas a cerca da competência, se seria da União, dos
Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, para tomar decisões referentes a
medidas restritivas de circulação de pessoas durante a pandemia causada pelo
coronavirus. Essas restrições giram em
torno de medidas relacionadas a quarentena, isolamento, distanciamento social e
lockdown, bem como em relação a autorização
para o funcionamento de atividades consideradas essenciais, que podem continuar
atuando, com certas precauções de higiene, apesar das restrições referidas.
Temos
então a quarentena, que é uma medida de separação social das pessoas de risco
para o contágio ou com suspeita de contaminação. O isolamento, que separa do convívio
social as pessoas doentes ou contaminadas. O distanciamento social, que é uma
medida mais ampla, e busca diminuir a interação entre as pessoas e as
aglomerações, e assim reduzir a velocidade da transmissão do vírus. Esta medida
pode ser ampliada ou seletiva, sendo que a primeira envolve a comunidade como
um todo, e a segunda se destina a grupos de maior risco. Por seu turno o lockdown é uma medida de maior restrição
de circulação de pessoas, um bloqueio sanitário total que mantém apenas as
atividades consideradas essenciais e a circulação das pessoas em geral apenas para
atender as suas necessidades básicas, como para compras de alimentos,
medicamentos ou para emergência. Há, portanto, uma graduação na adoção dessas
medidas, sendo o lockdown a mais
restritiva. Assim, temos observado a aplicação dessas medidas em diversos
países afetados pela pandemia, desde o início do ano, com a adoção de uma ou
outra medida, de acordo com as orientações científicas e as necessidades
impostas pelo avanço da doença.
No
Brasil temos visto a adoção da quarentena de modo voluntário pelas pessoas, por
pertencerem a determinados grupos considerados de risco ou por pessoas que o
fazem para melhor se protegerem, e ainda por orientação médica. O isolamento é
de pessoas infectadas tem ocorrido em residências ou ambientes hospitalares,
dependendo da gravidade. Já as medidas relacionadas ao distanciamento social e
ao lockdown têm sido determinadas por
governos estaduais, distrital ou municipais, geralmente através de Decretos de
Governadores ou de Prefeitos. Por fim, a União tem buscado definir as
atividades consideradas essenciais, para que possam continuar funcionando mesmo
diante das medidas restritivas. Neste sentido foi editado pelo Presidente da
República o Decreto nº 10.282, de 20/3/20, que tem sido constantemente alterado,
para incluir novas atividades na lista das atividades consideradas essenciais.
Algumas dessas atividades têm gerado polêmicas a respeito da sua qualificação como
atividade essencial. Em função disto, estes decretos nem sempre são seguidos,
tanto por Governadores como por Prefeitos, que muitas vezes recusam a sua
aplicação, elaborando as suas próprias normas estaduais, distrital ou
municipais.
O fato
é que o Estado brasileiro é uma Federação em que União, Estados, Distrito
Federal e Municípios são autônomos dentro das suas competências, recebidas diretamente
da Constituição Federal, não existindo uma hierarquia entre eles. Assim, é
atribuída como sendo competência comum (conjunta) da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios a atuação no “cuidado da saúde” (art. 23, II, CF). Além
disto, estes entes federativos também podem legislar sobre saúde (arts. 24,
XII; 30, I, II e VII; e 32, §1º, CF). Do mesmo modo os artigos 196, 197 e 198,
ao tratarem especificamente da saúde, deixam clara a responsabilidade dos
quatro entes federativos na garantia do direito a saúde para todos. Mais
recentemente a Lei 13.979, de 06/2/20, conhecida como “Lei do Coronavirus”,
atribuiu também competências às autoridades das diversas esferas
governamentais, para o enfrentamento da emergência de saúde pública. Além
disto, o STF - Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, se
manifestou recentemente sobre o tema (ADPF 672, de 8/4/20), reconhecendo e
assegurando o exercício de competências aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, para adotar medidas restritivas durante a pandemia, mesmo diante da
superveniência de atos federais em sentido contrário.
Além
da atuação dos governos, também o Poder Judiciário, provocado geralmente pelo Ministério
Público ou pela Defensoria Pública, tem tomado decisões, diante de situações
concretas, a respeito da necessidade de maior ou menor restrição, funcionamento
ou não do comércio e de outras atividades. Nessas decisões são avaliadas se as
medidas restritivas adotadas ou não pelos governos municipais ou estaduais são
as mais adequadas, levando-se em conta a propagação do vírus em cada região ou
localidade. A atuação dessas instituições encontra amparo na Constituição
Federal, quando trata das suas competências.
Diante
dessas divergências, e muitas vezes da falta de clareza quanto aos limites da
competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para
tratar das restrições referentes à circulação de pessoas, o que vem se assentando
é que todos os entes federativos podem tomar decisões, assim como o Poder
Judiciário. E esta atuação se fundamenta na Constituição Federal, para a defesa
da vida, da saúde e da dignidade da pessoa humana. E nesta estrutura federativa,
com certeza o Município está mais próximo da vida diária das pessoas e com
maior capacidade de diagnosticar o avanço da doença, num segundo plano o
Estado, e num terceiro plano a União. E neste sentido cabe primeiro ao
Município tomar as medidas restritivas, depois ao Estado e posteriormente a
União. E estas atuações governamentais se complementam com as decisões tomadas
pelo Poder Judiciário, para verificar a existência de inércia ou de excessos
nas ações governamentais.
Evidentemente
que o desejável, e o que prevê a Constituição Federal, seria uma ação coordenada
de todos os governos federal, estaduais, distrital e municipais, bem como a integração
com as instituições, as organizações e a sociedade como um todo, com fundamento
em estudos científicos, para buscar a melhor forma de enfrentar a pandemia.
Esta que é uma situação completamente nova para todos, e que requer medidas
emergenciais e excepcionais, sob pena de continuar a haver perdas humanas
irreparáveis, em maior ou menor número, a depender das ações que forem
implementadas. Mas infelizmente até o presente momento não tem ocorrido a unidade
necessária, principalmente pela carência de uma liderança nacional no
enfrentamento da pandemia.